Capítulo 39
XXXVIII
Julio feito barão --Póde vossa excellencia acreditar, senhora Viscondessa, que emquanto eu viver nada faltará n'esta casa.
--Oh! Deus o abençoe, senhor barão...
--Agora--e antes de me retirar, permitta-me vossa excellencia, que sem abusar da sua generosidade eu lhe narre em breves traços uma pequena e eloquente historia ha pouco succedida entre nós: «Ha de haver já bastantes annos que um homem ignorado (nada importa o nome) veiu procurar trabalho em Lisboa. Fugido á lei que o perseguia e afastado da mulher que amava--entrou n'um theatro. Entre as damas que pela sua belleza mais realçavam destacava-se uma a quem esse desgraçado entregou o coração e a vida. Mas, ai d'elle! A sorte perseguia-o horrivelmente.
Elle, coitado, era apenas um operario, um modesto operario, e ella uma aristocrata, uma distinctissima aristocrata. Correram os dias. O miseravel, vendo-se fortemente abalado na sua dolorosa existencia, abandonou a fabrica, e fez-se escudeiro d'essa senhora. Nem um gesto sequer elle perdera, emquanto lhe fôra dado viver n'aquella casa. Tudo aproveitou o desventurado, curtindo a sós comsigo a immensa paixão que tristemente o devorava. Um dia, porém, em que elle, porventura mais agitado do que nunca, pretendêra subtrahir-se aos fidalgos olhares da sua ama, uma fatal circumstancia o obrigou a deixar aquella casa.
--Então foi o sr. barão...
--Mais duas palavras, minha senhora, e eu termino: «Infamado e corrido de vergonha entregou-se o desventurado moço ao trabalho com ardor.
Próspera lhe correra a fortuna. Amparado por dois velhos, hoje mortos, que durante os primeiros annos lhe serviram de paes progrediu José
Xavier tornando-se honrado e bem quisto dos seus semelhantes. Depois...
oh! depois... Vossa excellencia sabe o resto...
--Sim! depois José Xavier foi feito barão, encontrando na Viscondessa de
B*** a sua mais pura e desinteressada amiga.
E Julio, curvando-se, beijou solemnemente a mão da Viscondessa.