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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 13

XII

Perigos e consequencias

N'este nosso paiz ficam muitas vezes impunes os crimes mais graves, castigando-se os mais insignificantes.

A lei penal muitas vezes dá existencia aos crimes, imaginando penas para delictos imaginaveis.

Parece que a justiça social nem sempre cumpre o seu dever. O roubo corre muitas veses authorisado pela lei, n'um inpudor por tal fórma insólito, que de vergonha faria córar uma bachante.

A cada passo, e com a maior facilidade, se sancciona uma injustiça. Quem não tem padrinho, morre mouro--diz o rifão. E o certo é que o pobre, o eterno Job da orphandade,--se não morre mouro, morre, pelo menos, de atrophia, indigente, sem pão, sem agua, e o que é mais, sem espirito.

Ao percorrer as humidas cavernas--morada e abrigo dos proletarios--de dó se nos enlucta o sentimento. Como é que a Providencia tão prodiga e generosa; como é que o sol, alargando seus raios encantadores, tanto pelas cumiadas das montanhas mais longinquas como pela escuridão dos valles mais reconditos--como é que todo este mixto de luz e de céu, póde consentir o infortunio no mundo?

A aspiração é sêde que se não extingue. Mas aspirar sem esperança; anceiar sem uma possibilidade de realisação final, deve ser triste, muito triste, para já não dizer desesperador.

Para voar, concede a naturesa azas á aguia. Assim tambem para sermos livres, rigorosamente livres, para executarmos os vastos planos da nossa vontade, carecemos nós de meios, sem os quaes tudo nos seria baldado e inutil.

E dizem que a lei é egual para todos!

Entre dois cidadãos--um casado, outro solteiro, um pobre outro rico--que soffrem a mesma pena, onde é que está a egualdade?

Divagando, porém, iamos fugindo do nosso caminho. Voltemos ao romance.

A policia não afrouxára nos seus esforços. Indagou, correu, perguntou.

Ao cabo de uma semana, estavam seis individuos dados por suspeitos.

Entre elles indigitára-se Julio como um dos principaes cumplices no crime acima descripto. Se fôra ou não acertada a escolha, isso só os factos posteriores o poderão affirmar. Por agora basta que o leitor nos acompanhe.

Dolorosa é a recordação do carcere. Sem luz e sem ventilação, são as nossas cadeias uns verdadeiros antros, cuja atmosphera impregnada de particulas venenosas, quasi sempre gera no seu seio os vicios mais execrandos e as doenças mais incuraveis.

Um drama simples e vulgar ao mesmo tempo, poderá, talvez, iniciar-nos nos verdadeiros mysterios d'este inferno.

Ouçamol-o.

Um homem rico decahira um dia da sua fortuna. Habituado ás commodidades da vida, encontrou-se repentinamente privado do necessario. Acostumado aos falsos amigos, viu-se sem amigos. Olhou. Quatro filhos o encaravam.

Uma esposa lhe sorria. Fôra bom o seu coração. Nunca até ali se dera um unico facto que lhe manchasse a consciencia. Examinou os bolsos.

Dinheiro não havia já. Recorreu ao trabalho. O trabalho fez-se esperar.

Mendigou. Ainda era pouco. Os filhos continuavam a chorar. A esposa continuava a morrer. Que fazer, pois? Roubar. E roubou. Roubou um pão porque tinha fome. E dois. E tres. E quatro. A lei, inexoravel como a

Parca, encontrou-o uma noite. Levou-o para o Limoeiro. Pediu-se, sollicitou-se, em nome da desgraça. Tudo embalde! Os poderes publicos cumpriam o seu dever. N'uma casita humida, situada ao Salitre, definhavam, ao cabo de cinco dias, quatro creanças e uma mulher. No

Limoeiro creava-se mais um monstro, e inutilisava-se um homem. E tudo isto com uma prodigiosa simplicidade.

É a historia de Valjean sem o auxilio do arcebispo!

Ao moço-operario não succedeu, felizmente, outro tanto. A Providencia encarregou-se de velar por elle. E o certo é que a evasão de cinco presos deu-se rigorosamente n'esta época. Julio foi um dos que, a salvo da prudencia, recuperaram a liberdade.

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