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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 18

XVII

Allucinações

Quando alguma ideia nos preoccupa o espirito fortemente, o nosso primeiro movimento é estar só, isolado, em intimo colloquio com os nossos desejos.

Momentos ha em que aborrecemos a luz, como supremo escarneo aos nossos soffrimentos. N'este caso é a conversa de estranhos muitas vezes levada á conta de uma ironia pungente. Queremos fallar, e não podemos.

Desejamos abrir os olhos, e conservamol-os fechados. Esforçamo-nos por chorar, e as lagrimas não correm. Então, sequestrados da sociedade, e a sós com a nossa dor, imploramos de Deus o soccorro da morte e a hora suave do passamento.

Julio estava perdido. Tentou ser homem, mas embalde.

Pela primeira vez na sua vida entrou n'uma casa de jogo. A sorte foi-lhe adversa.

Com os cabellos em desalinho, os olhos chammejantes, e o corpo numa ancia infernal, entrou o apaixonado moço n'um botequim.

Bebeu, e embriagou-se.

A paixão é muitas vezes creança. O amor é caprichoso, quasi sempre doentio, e por via de regra em extremo exigente.

Ora a febre tem um periodo de excitação, o qual, apenas terminado, gera o aborrecimento e um indefinivel mal-estar.

É louco o homem que ama sem raciocinio, doidamente entregue aos excessos da imaginação e da phantasia. Acima do amor está a amisade.

O amor é um relampago em céu de trovoada: passa, e não dura.

A amisade é um sol que, mesmo atravez das tempestades, se conserva: não tem azas como a aguia, mas em compensação tem raizes como a arvore.

A amisade é sempre amorosa; o amor nem sempre é amigo.

Para amar basta que se seja um bom amigo; para ser amigo é que não basta só o amor.

O amor é um capricho, que póde provir de uma apparencia mal entendida.

A amisade não! A amisade nasce da reflexão combinada com o tempo.

Quantas vezes não é o amor filho do ciume?

Quantas vezes nos não deixamos nós arrastar por uma simples exaltação do nosso temperamento?

A nossa esposa deve ser a nossa primeira amiga. Na convivencia ha tempo para estudo. Ai! d'aquelle que se deixar arrastar pelo fogo das paixões, porque para esse devem ser as as desillusões um quasi assassinato moral.

Julio estava cego; caminhando ás apalpadellas mal podia atinar com o caminho.

Depois de ter jogado, depois de ter bebido, sahia para a rua.

Se o jogo é como o vinho uma embriaguez, nem porisso o amor deixa de o ser tambem.

Quasi nunca a paixão apparece só. Um homem apaixonado é um aventureiro, um espadachim, que anda atraz da sorte, desafiando-a. E porisso é que os tres irmãos gemeos--o jogo, o vinho e o amor--caminham sempre unidos e accordes.

Julio, ébrio, ameaçou as estrellas, riu-se da lua, escarneceu do céu, e insultou-se a si.

A embriaguez tem d'estas oscillações inexplicaveis: no principio é vigorosa, athletica, muscular, até que a pouco e pouco enfraquece, tornando-se inerte, covarde, miseravel: similhante a um homem que, cahindo no abysmo, solta a principio uns gritos agudos, lancinantes, e que a final, desesperado e sem força, se deixa escorregar para o fundo, onde adormece no leito do universal esquecimento.

Julio, sem ser cadaver, era no entretanto um alucinado. E o alucinado só dista do cadaver, em que aquelle é um morto ambulante, ao passo que este é apenas um morto inerte, estupido e incapaz de movimento.

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