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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 2

I

Um baile

Temos baile em casa da sr.^a viscondessa de B ***.

Á porta do palacete param trens sem conta. Descem os convivas, profusamente almiscarados.

No salão crusam-se os pares: elles, fragrantes, como uma rosa de

Bengalla; ellas, voluptuosas e tépidas, como uma brisa do Oriente.

A sala é vasta, enorme, quadrangular. A cada canto uma mesa de marmore oleosa e de difficil lavôr. Do tecto dourado e semicircular pende um lustre de sessenta lumes, adornado de flores artificiaes e de vidrilhos verdes. A mobilia, de um estofo azul e assetinado, rivalisa em symetria com os mais encantados jardins de Granada.

As janellas abertas atraiçoam os segredos dos namorados. Como relampagos, reflectem-se na praça as vertigens da walsa.

Por sobre a sombra do arvoredo ondeia a luz phantasticamente. A cada um d'estes banhos despertam as aves nos seus ninhos. E a lua, a doce companheira da tristeza, vae illuminando o espaço, o mar e as solidões.

As flores derramam uns aromas acres e inebriantes. N'um esplendido vaso de porcellana de Sévres, abre uma mimosa camelia as suas longas e avelludadas petalas.

Umas plantas exoticas, orientaes, adornam o espaço ladrilhado das janellas de sacada.

Entra a viscondessa na sala. Os grupos cessam de falar. Em redor d'ella tudo se apinha, tudo se confunde, tudo se baralha.

A valsa recomeça. Nos espelhos de crystal reflectem-se as estranhas imagens, que, n'esta noite, povoam o salão. Sobre as piscinas de marmore debruçam-se as avesinhas artificiaes--pobres avesinhas implumes feitas de pedra e de calcareo.

Estremecem docemente os cortinados da janella. Os peitos arfam de cançados; e na parede o papel, como que exhala uns mysteriosos e prolongados calores.

--Quer v. ex.^a conceder-me esta valsa?--diz um cavalheiro, offerecendo o braço a uma gentil dama de vinte annos.

E entrou no turbilhão.

--Mas perdão, senhora viscondessa... bem vê que na minha posição...

--Acompanhe-me, Alfredo.

E os dois seguiram para uma saleta proxima, situada á direita do salão.

Os creados serviram o chá. Na varanda fumavam e conversavam os cavalheiros. Algumas senhoras refaziam a sua toilette, em parte desfeita pelos ardores da dança.

--E acredita a senhora viscondessa, que eu realmente lhe podesse ser affeiçoado nas condições em que me acho?

--E por que não, Alfredo, se eu o amo loucamente.

Um leve ruido interrompeu o dialogo.

A saleta era assaz confortavel. Uns moveis escuros a guarneciam tristemente. Ao longo da parede destacavam uns quadros sombrios, meigos, phantasticos. Em cima do fogão agitava-se o pendulo do relogio, como se effectivamente nos quizesse recordar uma pulsação dolorosa.

A viscondessa, airosamente sentada n'um fofo sophá, volvia os olhos nervosos na direcção da porta do baile.

--Ninguem nos ouvirá--exclamava ella de si para si.

E continuou a fallar para Alfredo, que, a longos passos, percorria a sala de um a outro extremo.

Entretanto a orchestra convidava a uma quadrilha.

Um elegante moço entrou na saleta.

--Venho lembrar a v. ex.^a, minha senhora, que esta quadrilha me pertence.

A viscondessa acompanhou-o.

Alfredo só, roia um charuto furiosamente, quando novo ruido o despertou.

Defronte d'elle, e ameaçando-o com um punhal, estava um rapaz, cheio de febre, de odio e de vingança.

--Ouvi tudo--exclamou o intruso. Ou tu me promettes nunca amar a viscondessa, ou eu te assassino aqui, como um miseravel que és.

--Nunca!...--vociferou Alfredo, arrancando-lhe o punhal da mão. Primeiro cahirás tu, desgraçado. Já, já fora d'esta casa...........................

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Este incidente, como é natural, perturbou a quadrilha, que então se dançava. Acorreram todos. Os dois contendores haviam desapparecido da saleta.

O baile continuou.

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