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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 21

XX

Casa burguesa

Era um gosto entrar a gente em casa do sr. Francisco Alves. Tudo respirava ali um aceio, por tal fórma invejavel, que o espirito em verdade se sentia bem, muito bem, ante aquella limpesa, tão rara em

Portugal como prodiga em qualquer outro paiz.

No bairro de Alcantara era o sr. Francisco conhecido como um modelo de philantropia e de bons sentimentos. Os jornaes por vezes resavam da sua pessoa, assim como da sua catholica esposa, a sr.^a Felisbella de

Menezes.

Emfim o sr. Alves era modesto sem ostentação, simples sem atavios, e amavel sem rancor.

O sr. Francisco Alves era o que em boa linguagem se póde dizer--um portuguez de lei.

De um rico tio provinciano herdára elle uns dez contos de reis, em metal sonante, com os quaes comprou uma mercearia bem fornecida e já bem accreditada na capital.

Atirou-se, pois, o sr. Francisco ao negocio, e sempre com fortuna e sempre com bons auspicios.

Um dia virou-se elle para a esposa, e disse: --Ó Felisbella, se tu quizesses, uma vez que foi esteril o nosso matrimonio, traziamos um rapasito para casa, e adoptavamol-o como nosso filho? Que dizes?

--Olha, menino--tu bem sabes que eu estou por tudo o que tu quizeres.

Vae tu mesmo a um asylo se assim te apraz, e escolhe-me lá um pequenote; mas que seja bonito, entendes?

--Pois está dito, mulher! amanhã tratarei d'isso.

E, com taes intenções, deitou-se á noite o sr. Francisco Alves, n'um bello colxão de commoda lã.

Veio o rapaz para casa. A sr.^a Felisbella queria-o para doutor, o sr.

Francisco, para merceeiro.

O pequerrucho era engraçado, muito engraçado, cheio de bons ditos e de palavras amaveis.

Á sr.^a Felisbella tratava elle por mamã, e ao sr. Francisco por papá.

--Sempre tem uma graça, este pequeno!--dizia o Alves, ás vezes para a mulher.

--E os ditos então? se tu lh'os ouvisses... retorquia a bondosa da sr.^a

Felisbella.

--Pois, menina, parece-me que dá em doutor o diabo do rapazelho.

--Ora! se eu bem t'o dizia.

--E tinhas razão, tinhas, lá isso tinhas. E ha de ser um doutor, assim elle queira.

O rapaz cresceu. Foi para a escola, e deu boa conta de si. Foi para

Coimbra, e tomou grau em direito. Depois metteu-se advogado, e é hoje um dos mais distinctos homens de lettras do nosso paiz. Sempre grato á sr.^a Felisbella, visita-a todos os dias. Ao sr. Francisco Alves já advogou algumas questões, e, ao parecer, com gloria para ambos.

Não parava, porém, aqui a abnegação do sr. Francisco.

Acontecia frequentemente elle vir para casa mais tarde do que desejava.

Se por acaso encontrava algum pobre estendido na rua, ao relento e ao frio, levantava-o, e trazia-o comsigo. Chegado ao lar mandava-lhe arranjar uma boa ceia, vestia-o no dia seguinte, e deixava-o seguir o seu caminho.

E a isto, leitor generoso, chama o mundo ser boçal.

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