Capítulo 40
XXXIX
Denuncias e suspeitas
Alfredo, sem recursos, recorreu ao ultimo expediente de um vadio bem educado: tornou-se falsificador de notas.
Os proprios amigos d'outros tempos, ao saberem d'este facto, denunciaram-n'o á policia.
Dahi em deante principiaram as indagações e as pesquisas. A lei não afrouxára em seus esforços. E o certo é que uma manhã Alfredo acordou n'um calabouço, quasi sem luz e abandonado aos vermes.
O processo correu perante o ministerio publico. Abundaram as provas.
Alfredo era realmente um criminoso. O jury, dando o seu veredictum, houve por bem coudemnal-o a degredo perpetuo, para as costas de Africa.
Embalde lhe foi a appellação interposta pelo advogado para o Supremo tribunal de justiça. Confirmada a pena o réu teve de partir.
No dia aprasado para a partida, Alfredo, inquieto, nervoso, tremulo, agitado, pediu papel e tinta. Por uma graça especial fôra-lhe deferido o requerimento.
Tomando a penna o degredado traçou no papel as seguintes linhas: «Excellentissima senhora Viscondessa, e minha dedicada amiga.--Seria vil, e muito vil, que eu, ao deixar esta cidade, me não lembrasse de
Vossa Excellencia. Cheio do contricção e de arrependimento permitta-me pois, Vossa excellencia, que, por um pouco, ajoelhe ante a sua imagem generosa.
«É um criminoso que lhe falla, minha Senhora. É um triste e miseravel peccador que vem pedir-lhe perdão. Conceder-lh'o-ha Vossa excellencia?
Sim! Alfredo não existe já. Condemnou-o a sociedade em nome da lei.
Condemnaram-n'o os seus crimes.
«Dentro em pouco, vestida a estamenha do degredo, o meu nome não terá razão alguma de ser. Vegetarei como um cadaver, que, privado do espirito, se vai decompondo fibra a fibra.
«Os homens não me perdoaram. Foi-me negada a honra: tudo me foi negado.
E entretanto eu tinha de viver...
«Vossa excellencia de certo comprehende este terrivel problema do mundo.
Entre duas infamias preferi esta, justamente por ser a maior.
«E assim como os homens foram ingratos para commigo, assim tambem eu fui ingrato para com Vossa excellencia.
«Perdão, perdão para mim, minha santa amiga, perdão para mim que não pensava!
«Eu era apenas um triste alucinado, que á maneira de uma sombra, errava vagamente pelo mundo, com o doloroso pesadello de uma longa enfermidade.
«E porque não morri eu, então, céus?
«Para que mais prolongar este acerbo calix de amargura?
«Não creio nos homens como não creio em Deus.
Deus!... Mas porque infinita maldição me sahe esta palavra dos labios?
«Ah! sim, está ali... bem o vejo... o infernal carcereiro...
«Mas como? Deus com aquella barba? Deus tão velho? Será possivel?
«Ai! senhora Viscondessa, que a febre escalda-me os labios resequidos.
Se ao menos, Deus me trouxesse agua...
«Adeus, minha boa e dedicada amiga; adeus para sempre.
«Nas suas noites de prazer não s'esqueça de libar por mim--por mim, pelo miseravel condemnado da sociedade, sua irmã.
Alfredo.» ..........................................................................
--Um pobre rapaz, coitado!--exclamou a Viscondessa, ao terminar a leitura d'esta carta.