Capítulo 43
XLII
Tableau
Agora o quadro.
Atravez os quatro personagens, distingue-se um mundo de miserias.
O barão dá o braço á Viscondessa; o dinheiro acaricia a formosura.
Eis a luz.
A doença caminha a par do degredado: o corpo corre parallelo com o espirito.
Eis a sombra!
* * * * *
O espectador que ajuize.
Epilogo
Hontem o amor; hoje a pobreza; amanhã o esquecimento.
Post-scriptum (Ao leitor)
Este romance não mira aos applausos da galeria. Tão pouco prima, nem pelo complicado do enredo nem pelo difficil das situações. São capitulos singelos, estes, que acabam de lêr-se, só pela arte inspirados e por amor d'ella concluidos.
E a arte é a verdade.
Por muitos hão de estas paginas ser aborrecidas. Por muitos hão de ellas ser odiadas. Nada importa. A consciencia acima de tudo.
Entendeu o auctor que era sobre tudo descriptivo o romance moderno, profundamente descriptivo, cheio de analyse, critica, de bom-senso e da naturalidade; de pouco dialogo e de muita observação; havendo todo o escrupulo em pôr de parte o devaneio, na dissecação dos homens e das cousas.
Ao ideal d'este livro presidiram, pois, as realidades presentes e passadas. O typo da Viscondessa, atraz esboçado, poderá não agradar a todos, é verdade; mas é, no entanto, um typo real, perfeitamente real.
Uma mulher ingenua, simples, caprichosa, sacrifica o seu coração, a sua tranquillidade, o seu amor a um elegante rapaz, filho dos restaurantes, e, como os restaurantes, viciado e corrupto. D'aqui a perdição da heroina e o triumpho do galã.
Outro tanto succede com a figura angelica da aldeã. Victima do confessionario, cahiu, andorinha ferida, a quem roubam o ninho e os filhos; sedenta de prazer, resvalou no abysmo.
Alfredo, se bem que generoso e sympathico, é, todavia, um moço perdido, alucinado pelos vinhos e pelas grandes ceias, incapaz de conceber outros pensamentos que não sejam o da sua indolencia e o do seu bem-estar.
Acaba porisso como, naturalmente, devia acabar--nas costas d'Africa.
O contrario quasi se dá com Julio. Trabalhando, vence os escolhos da adversidade; convivendo com o mundo, torna-se como o mundo, calvo na corrupção e no cynismo.
E muito de proposito, pois que não fallo aqui na mãe e na esposa, dediquei este livro ás boas mães e ás boas esposas: ás boas mães, para que sejam esmeradas na educação das filhas, e ás boas esposas, afim de que saibam estimar a virtude, como a primeira e a mais indestructivel de todas as riquezas.
A maternidade é uma fonte de boas acções. Quem sabe se foi este o defeito da Viscondessa e de Cecilia? O santo amor de mãe despertaria incontestavelmente n'estas duas mulheres outros mundos muito diversos que não os da imaginação e os do capricho.
A logica não foi, pois, sacrificada. Antes pelo contrario temos fé em que será ella a gloriosa redemptora d'este enormissimo peccado.
Coimbra, 4 de Fevereiro da 1874
O Auctor.
FIM.