Aa

A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 5

IV

Contrastes

O amor é o laço que une duas almas.

Quando as tempestades rugem, e os ventos bramem, e os mares se encapellam, a mãe, candido alento, apertando o filho contra o peito, diz amor; e o amor que é medo, afujenta o medo, e o amor, que é aprehensão, combate a aprehensão, e o amor, que é timidez, destróe a timidez.

Felizes, mil vezes, aquelles, que sabem amar e que tambem são amados!

A vida, sombria em si desabrocha por um beijo de mãe; e n'esse beijo, sêllo de Deus sobre a terra, que immensa effusão de affectos e que nobilissimo trasbordar de enthusiasmo.

Ó minha mãe, ó meu abrigo, tu, com o teu coração, foste o anjo providencial, que em mim encarnaste o sentimento do bem.

No esplendido poema da creação, em que tomam parte as aves com os seus cantos maviosos e os homens com o seu trabalho, quasi se poderia dizer que um suave perfume, ethereo e subtil, põe a terra em communicação com o céu.

Perguntae ao rio, porque geme, e ao oceano, porque brame, e ás arvores, porque crescem, e á terra, porque produz, e á nuvem, porque corre, e á flor, porque perfúma? Perguntae...

Amar, ser amado...--que sublime virtude, minhas senhoras.

Ás horas da tristesa, á tardinha, n'aquelles raros momentos, em que as arvores, estatuas da melancholia, nos deixam ouvir um funebre soluço; á hora em que o gentil pegureiro desfere na frauta umas sentidas notas; n'essa hora em que os crentes, saudando o creador, ajoelham aos pés da cruz:--como não é esplendida a visão do nosso espirito, iriada pelas mil côres da ventura e do amor.

Apparecei, sonhos da mocidade! Surgi de novo, ó santas crenças da minha vida!

Porque é que, com os primeiros raios do amor, desapparecem as alegrias primeiras, os indiscretos descuidos da infancia, os mimosos cantares da meninice?

Porque é que a mulher, amando, deixa de se pertencer a si, perdendo a individualidade e a iniciativa, a fim de se consagrar exclusivamente a um homem, ideal de perfeição e de virtude?

Porque é que o amor nos faz tristes, abatidos e concentrados?

Quem não sentiria, uma vez, ao menos, na sua vida, a dôr, que nos arrebata o coração e as lagrimas que nos inundam os olhos, ao despedir-mo-nos da pessoa que amamos?

Mulheres, que tendes amado o que na austeridade do sacrificio, tendes aprendido a virtude e o desinteresse--fallae por mim.

Homens, que em meio de vossos trabalhos e avergados ao peso das paixões vos sentis, muitas vezes, desfallecer--abri o coração, mostrae a dôr que vos opprime.

É doce o amor--pensa o mundo. Mas para amar, quantas inquietações, quantos supplicios!

É verdade que todos invejam uma mulher amada; é verdade que todos anceiam esse ineffavel momento, de poder dizer a um ser bom, generoso, sincero, sympathico, um ser, que nos delicia pelo seu olhar e que nos apraz pela sua bellesa--amo-te, sou teu; sim, sou teu, porque tu és o bom amigo sonhado em noites de intimos affectos; adoro-te, porque tu és a minha inspiração, a minha alma, a minha vida, o meu eterno pensamento: mas para tudo isto que lucta, que enorme lucta, meu Deus!

Amar é comprehender: comprehender a verdade, elevar-se ao bem pela contemplação do que é perfeito, subir até ao bello, guindar-se até ás luminosas regiões da arte e da consciencia.

O mundo fica-nos para traz; esquecem-nos as ambições; perdem-se os enthusiasmos; fojem-nos as lucidas chimeras da juventude: tudo se desvanece pelo amor.

Amar, ter um filho... que superior ventura se póde comparar a esta?

Um filho é uma parte de nós mesmo, uma continuação do nosso nome, da nossa existencia, do nosso viver.

Um filho?!... Quem se não terá enternecido ao contemplar essas louras creanças, vestidas de branco, e que, durante o dia, brincam nos jardins?

Um filho?!

Como é bella esta palavra e como ella sôa bem aos nossos ouvidos.

Ó santo amor paternal, ó paes, ó mães--vós que tendes chorado com as dores de vossos filhos e rido com as suas alegrias--dizei-nos--haverá, porventura, n'este mundo felicidade que se vos compare?

O amor de mãe é muito, mas não é tudo. Aos quinze annos, todos nós sentimos um vago ideal, que nos illumina o espirito, umas seductoras imagens que nos transportam a um ser longinqúo, mas realmente existente, um ser que é nosso, porque o sonhamos e que nos pertence, porque desde a infancia o anteviramos, claro, limpido, transparente, á semelhança de um horisonte que um dia contemplamos e que não mais nos esquece.

Esse ser é um marido; esse ser é uma esposa: um vinculo os prende--o amor; um ideal os incita--os filhos; uma virtude os reune--a conveniencia.

Á viscondessa tambem lhe chegára a sua vez. Sonhára e fora feliz.

Alfredo era o doce amante, que lhe alimentava a phantasia ardente;

Alfredo, o louro rapaz, era a formosa visão, que aos quinze annos, ella tivera por companheira inseparavel da sua vida.

Sejamos como a viscondessa. Amemos e seremos felizes.

O que você achou desta história?

Seja o primeiro a avaliar!

Você precisa entrar para avaliar.

Você também pode gostar