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A Cidade e as Serras

por Eça de Queiroz

Capítulo 8 - Parte 2

Thibet... Ainda assim, meu Jacintho, já obtivemos resultados bem extranhos. Sabes as experiencias de Tyndall, com as chammas sensitivas... O pobre chimico, para demonstrar as vibrações do som, tocou quasi ás portas da verdade isoterica. Mas què! homem de sciencia, portanto homem d'estupidez, ficou áquem, entre as suas placas e as suas retortas! Nós fômos além. Verificámos as ondulações da Vontade! Deante de nós, pela expansão da energia do meu companheiro, e em cadencia com o seu mandado, uma chamma, a tres metros, ondulou, rastejou, despediu linguas ardentes, lambeu uma alta parede, rugiu furiosa e negra, resplandeceu direita e silenciosa, e bruscamente abatida em cinza morreu!

E o extranho homem, com o chapeu para a nuca, ficou immovel, de braços abertos e os olhares esgazeados, como no renovado assombro e no transe d'aquelle prodigio. Depois, recahindo no seu modo facil e sereno, accendendo de vagar um cigarro: --Uma d'estas manhãs, Jacintho, appareço no 202, para almoçar comtigo, e levo o meu amigo. Elle só come arrôz, uma pouca de salada, e fructa. E conversamos... Tu tinhas um exemplar do Sepher-Zerijah e outro do

Targum d'Onkelus. Preciso folhear esses livros.

Apertou a mão do meu Principe, saudou este assombrado Zé Fernandes, e serenamente seguiu pela quieta rua, com o chapeu de palha para a nuca, as mãos enterradas nas algibeiras, como um homem natural entre cousas naturaes.

--Oh Jacintho! Quem é este bruxo? Conta!... Quem é elle, santissimo nome de Deus?

Recostado na vittoria, ageitando o vinco das calças, o meu Principe contou, concisamente. Era um nobre e leal rapaz, muito rico, muito intelligente, da antiga casa soberana de Mayolle, descendente dos Duques de Septimania... E murmurou, através do costumado bocejo: --O desenvolvimento supremo da vontade!... Theosophia, Buddhismo isoterico... Aspirações, decepções... Já experimentei... Uma massada!

Atravessamos, callados, o rumôr de Paris, sob a molleza abafada do crepusculo de verão, para jantar no Bosque, no Pavilhão d'Armenonville, onde os Tziganes, avistando Jacintho, tocaram o Hymno da Carta com paixão, com langor, n'uma cadencia de czarda dolorosa e aspera.

E eu, desdobrando regaladamente o guardanapo: --Pois venha agora para a minha rica sêde esse vinhosinho gelado!

Grandemente o mereço, caramba, que superiormente philosophei!... E creio que estabeleci definitivamente no espirito do Snr. D. Jacintho o salutar horror da cidade!

O meu Principe percorria, catando o bigode, a Lista-dos-Vinhos, em quanto o Copeiro, esperava com pensativa reverencia: --Mande gelar duas garrafas de champagne S.^t Marceaux... Mas antes, um

Barsac velho, apenas refrescado... Agoa de Evian... Não, de Bussang!

Bem, d'Evian e de Bussang! E, para começar, um bock.

Depois, bocejando, desabotoando lentamente a sobrecasaca cinzenta: --Pois estou com vontade de construir uma casa nos cimos de Montmartre, com um miradouro no alto, todo de vidro e ferro, para descançar de tarde e dominar a Cidade...

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