Visão do corredor
No fim da escada, ao fundo do corredor escuro, parei alguns instantes para respirar, apalpar-me, convocar as idéas dispersas, rehaver-me enfim no meio de tantas sensações profundas e contrarias. Achava-me feliz. Certo é que os diamantes corrompiam-me um pouco a felicidade; mas não é menos certo que uma dama bonita pode muito bem amar os gregos e os seus presentes. E depois eu confiava na minha boa Marcella; podia ter defeitos, mas amava-me...
--Um anjo! murmurei eu olhando para o tecto do corredor.
E ahi, como um escarneo, vi o olhar de Marcella, aquelle olhar que pouco antes me dera uma sombra de desconfiança, o qual chispava de cima de um nariz, que era ao mesmo tempo o nariz de Bakbarah e o meu. Pobre namorado das _Mil e uma noites!_ Vi-te alli mesmo correr atraz da mulher do vizir, ao longo da galeria, ella a acenar-te com a posse, e tu a correr, a correr, a correr, até a alameda comprida, donde sahiste á rua, onde todos os correeiros te apuparam e desancaram. Então pareceu-me que o corredor de Marcella era a alameda, e que a rua era a de Bagdad. Com effeito, olhando para a porta, vi na calçada, tres dos correeiros, um de batina, outro de libré, outro á paisana, os quaes todos tres entraram no corredor, tomaram-me pelos braços, metteram-me n'uma sege, meu pae á direita, meu tio conego á esquerda, o da libré na boléa, e lá me levaram á casa do intendente de policia, donde fui transportado a uma galera que devia seguir para Lisboa. Imaginem se resisti; mas toda a resistencia era inutil.
Tres dias depois segui barra fóra, abatido e mudo. Não chorava sequer; tinha uma idéa fixa... Malditas idéas fixas! A dessa occasião era dar um mergulho no oceano, repetindo o nome de Marcella.