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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 32

XXXI

O que faz o talento

Uns sóbem e outros descem: é a roda do mundo. Á dos alcatruzes se similha, segundo Sá de Miranda: uns para baixo, outros para cima, uns cheios, outros vazios.

A vontade conduz á felicidade. Homem que sabe querer é homem de talento ordinariamente.

O talento, por si, deixará de ser uma superioridade; quando a egualdade, sob o mesmo grau, nivelar a educação e a instrucção.

O talento, comtudo, é variavel e complexo: para uns, ter talento é saber grangear fortuna; para outros, é saber escrever e orar e discutir; para outros ainda, o talento cifra-se na gravidade da apparencia, e no modo austero da vida.

A mulher resume por via de regra o seu talento n'um olhar profundo, num sorriso angelico e n'um espirito facilmente maleavel e insinuante.

A educação faz com que só o homem se ostente em meio do viver social.

A mulher tem uma esphera limitada: o seu mundo é a familia; a sua convivencia o marido, os filhos, os parentes e os creados. Porisso se crê, embora erradamente, que só ao homem aprouve Deus conceder o talento.

A curiosidade é a fonte, não só da sciencia, em geral, como tambem de toda a humana descoberta. Ora a mulher é sobretudo curiosa. D'aqui a sua aptidão para todo e qualquer ramo da actividade social.

Somos pela emancipação da mulher. Desejára-mos vel-a ao lado de um doente, consolando-o e distrahindo-o; desejáramos que as creanças recebessem d'ella os primeiros rudimentos da linguagem; desejáramos, é verdade, que por ella fossem exercidos muitos dos mesteres da vida: mas, a par de tudo isto, somos abertamente contra a sua emancipação politica.

O talento não tem sexo. Ante a critica, ante a illustração, ante o bom-senso, todos somos eguaes.

Joanna d'Arc, o typo da virilidade e do patriotismo, é por ventura tamanha como Victor-Hugo, o grande, Victor-Hugo, o humanitario; George

Sand cathedra á altura de Byron, o primeiro poeta do universo.

Para que hesitar, pois? Onde o direito de menospresar aquillo que, ao contrario, e em consciencia, devêramos santificar?

O que perde o homem é o orgulho, quando não é a inveja. A par de tantas ambições vale-nos a preguiça, que as domina e refreia.

Porque subira Julio? que força occulta o tornava sympathico e favorecido da fortuna?

Perguntae á felicidade quem a creou, quem lhe deu origem, quem a tornou forte e independente!

O acaso é, muitas vezes, e sem o sabermos, a causa da nossa ventura e das nossas acções.

Mas o acaso não é cego. Depende de uma certa presciencia do futuro.

Julio era modesto, primeiro titulo de recommendação. A modestia torna sympathicos o talento e a virtude.

Depois, havia n'elle o bom-senso de esperar com resignação tudo o que, durante a vida, lhe podesse sobrevir. Nada o surprehendia. Estava sempre prompto para qualquer eventualidade, fosse ella de que natureza fosse.

Tinha, portanto, a rara sciencia de conciliar com a prudencia o bom-senso.

Porisso tambem subiu, e porisso tambem subirão todos aquelles que assim procederem.

O mundo depende de geito, apenas. Tão despresiveis são os demasiadamente

Catões como os demasiadamente relaxados.

No meio-termo está a lei de toda a sociedade humana.

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