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A Senhora Viscondessa

por S. de Magalhaes Lima

Capítulo 41

XL

Ao hospital

Do calabouço passaremos ao hospital. Tudo é enfermidade: com uma differença apenas--e é que, n'uns adoece o espirito, ao passo que n'outros adoece o corpo.

Ao percorrermos aquelles longos salões, onde só a doença tem o seu throno e a morte o seu prestigio; ao pararmos junto d'aquelles leitos empobrecidos, onde os gemidos da miseria se cazam tristemente com a dolorosa suavidade da esperança; ao palparmos as chagas, as desventuras e as mil angustias porque passa a humanidade n'este mundo; ao vermos tudo isto, o espirito vacilla realmente, e o coração sente-se fatal e impetuosamente abalado em tudo o que ha de mais santo, de mais nobre e de mais digno á superficie da terra.

Adoecer na flor da edade, sem protecção, sem carinho, sem a meiguice de uma irmã, de uma esposa, de uma filha--isso, só a pobreza o poderá verdadeiramente avaliar.

Ha dores que se não exprimem, que se não definem, e que estão muito acima das mundanas velleidades.

Como quer que seja, porém, Cecilia encontrou-se uma manhã no hospital de

S. José, doente, triste e perdida a esperança de melhores dias.

Uma phthisica fatal lhe devorava as entranhas, profundamente abaladas. A tosse augmentava de minuto para minuto. As convulsões recrudesciam. Os medicos desesperavam da cura. E os enfermeiros, os vis mercenarios do corpo humano, abanavam as orelhas da cançados e aborrecidos.

Emfim soou a hora fatal. Após uma longa hemoptise, Cecilia abrio muito os olhos, tornou-se verde--de um verde-negro e sombrio--fez um esforço sobre si, regougou algumas palavras imperceptiveis, e cahiu para o lado.

Tinha expirado finalmente.

A aurora era então sem mancha; a cotovia annunciava um dia formoso. Tudo vivia; a luz era o prologo do amor.

Arrastada para uma sala especial, unicamente destinada aos mortos, ficou o seu cadaver em deposito, até que um esquife o levasse para o cemiterio.

Sobre o corpo putrefacto d'aquella victima desventurada não houve sequer quem derramasse uma lagrima.

É que o mundo, no seu estupido cynismo, pensa de ordinario mais em rir do que em chorar!

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