Capítulo 7
VI
Sem sahir do mundo
Alfredo era um rapaz do seu tempo, e, como tal, um filho dedicado dos cafés, um amador do fumo e um apreciador exaggerado du vieux cognac.
No proprio desalinho ostentava elle uma generosidade fidalga, que o tornava sympathico e bem quisto por todos os que com elle mais de perto privavam.
Era exaltado em extremo, inconstante e leviano. Quando lhe fallavam em amor sorria-se meigamente.--Amor?...--respondia elle, como que acordando de um longo somno--Sim! já gostei d'elle. Hoje troquei as boas amigas pelos bons manjares.
E virava costas de aborrecido,
E, no entanto, as mulheres gostavam d'elle--talvez por essa rasão.--Não gostam as flores das borboletas?
A vida exterior, activa, intelligente é que, por via de regra, gera a inconstancia. De modo que aquillo que n'uma mulher constitue um crime de lesa-dignidade, é para o homem uma quasi urgencia, filha, sem duvida, das circumstancias especiaes que o rodeiam.
O homem obedece, em geral, mais ao seu organismo do que á sua vontade. A leviandade provêm, muitas vezes, de um impulso de temperamento. A imaginação nem sempre póde ser domada. Á uniformidade oppõe-se a variedade. A phantasia aprecia melhor esta do que aquella.
Ora semelhantes rasões não se dão já na mulher. A mulher tem uma vida limitada, restricta, puramente interior e domestica. Deve ter na sua existencia um unico amor, um unico interesse, um unico pensamento. E desde o momento que isto se despresar--podeis acreditar-me--em vez de uma mãe, em vez de uma esposa, em vez de uma irmã, apenas tereis deante de vós uma amante, isto é, uma companheira para alguns meses de praser e de sensualidade.
Creio porêm que tal vicio é puramente peninsular. Em Portugal é costume fazer a côrte da rua para as janellas. O namoro, se existe, é simplesmente no olhar. Tudo falla, menos o coração. E só depois de casados, reconhecem, então os noivos, que realmente os não fadára Deus um para o outro. Triste inconsequencia, na verdade, que muitas vezes traz comsigo o divorcio e emquanto a nós o peior de todos os desgostos, o desgosto do lar domestico.
Entre nós é a educação da mulher um fado quasi secundario. Que aprendem ellas nos collegios? que sabem ellas quando se casam? Por ventura saberão talhar os seus vestidos? porventura saberão manter o aceio e a limpesa, tão necessarios á cosinha como ao resto da sociedade conjugal?
Tudo, menos isso. Diz-se mulher do high-life, aquella que melhor valsa n'uma sala, a que mais prende pelos arrebiques do coquettismo, emfim, a que fôr mais imaginosa, a que tiver lido alguns romances francezes e a que mais amada souber fazer-se, n'um salão. Pouco monta que seja dedicada a seus filhos, e amiga do seu marido. A questão é ter côrte. O resto de nada vale, porque está abaixo dos sentidos; e os sentidos, são, n'este assumpto, uns mui respeitados directores.
Não quero eu com isto dizer que a educação do homem seja superior á educação da mulher. Os rapases nascem egoistas. Não amam o desinteresse, porque são naturalmente utilitarios e desconfiados. Desejam uma esposa, mais pelo dinheiro que ella lhes traz do que pela estima que os póde tornar felizes. D'esta maneira o casamento entre nós é um acto de commercio uma garantia de futuros interesses, muito de preferencia a uma garantia de amor.
Alfredo, porêm, desviára-se d'esta norma. De creança aprendêra elle a sondar a sociedade com todas as suas corrupções e inconsequencias. De sobejo sabia que a dança, toda exterior e ficticia, era a perversão do ideal conjugal. Por instincto aborrecêra o salão, soalheiro de intriga e de pequeninas miserias. Conhecedor dos homens, e das cousas cahira, finalmente, n'um indifferentismo, até certo ponto, deploravel, para um rapaz, mas, de certo, necessario e fatal para todo o organismo, digno de outra aspiração que não fosse a do animal, por naturesa inerte e estupido.
Alfredo resumia, portanto, uma energica reacção contra o estabelecido, e um vago aspirar para um futuro, ainda não bem definido.
Saudemos esse futuro.